Dom Roque Paloschi sobre a COP 30: “Cuidar do Jardim de Deus: entre a Esperança e as Contradições”

Dom Roque Paloschi sobre a COP 30: “Cuidar do Jardim de Deus: entre a Esperança e as Contradições”

Até o dia 21 de novembro, acontece em Balém/PA a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), sobre esse evento realizado aqui na Amazônia, o arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, dirige uma mensagem de reflexão e compromisso aos fiéis e à sociedade.

Na mensagem intitulada “Cuidar do Jardim de Deus: entre a Esperança e as Contradições”, o arcebispo recorda que a criação é dom e não mercadoria, e alerta para as contradições entre o discurso ambiental e as práticas que continuam destruindo a floresta e violando os direitos dos povos da Amazônia.

Com tom profético e pastoral, ele reforça que “não existe fé que destrói, nem espiritualidade que polui”, e que cuidar da criação é também cuidar da alma e da própria fé cristã.

Em entrevista ao programa Expresso 103, dom Roque com o olhar voltado para a Amazônia — território de vida, fé e resistência, convida toda a Igreja a um tempo de esperança e conversão ecológica, reafirmando o chamado do Papa Francisco à ecologia integral como caminho de cuidado com a Casa Comum.

Ouça a entrevista na íntegra, no player, abaixo.

A seguir, a íntegra da mensagem de Dom Roque Paloschi, aos fieis da Arqudiocese Porto Velho, sobre a COP 30

“Cuidar do Jardim de Deus: entre a Esperança e as Contradições”

Queridos irmãos e irmãs,

Graça e Paz no Senhor da Vida!

À medida que nos aproximamos da COP 30, que será realizada na Amazônia, o mundo volta seu olhar para esta terra que é pulmão, berço e ferida da humanidade.

Belém acolherá os povos e as nações para discernir caminhos de cuidado com a Casa Comum. E nós, como Igreja, somos chamados a olhar com esperança, mas também com lucidez, para o que este momento representa.

Sim, a COP 30 é um sinal de esperança.

Esperança de que o mundo ouça o grito da Terra e o grito dos pobres.

Esperança de que a humanidade reconheça os limites de um modelo que mata, polui e exclui.

Esperança de que os povos originários, ribeirinhos e quilombolas, tantas vezes silenciados, possam finalmente ser ouvidos como mestres e guardiões da vida.

Mas é também um tempo de contradição.

Falamos de transição ecológica enquanto seguimos queimando florestas e corpos.

Falamos de economia verde enquanto o verde das árvores dá lugar ao cinza do desmatamento.

Falamos de cuidado, mas continuamos descartando vidas humanas e poluindo os rios de onde muitos bebem.

Há, portanto, uma distância dolorosa entre o discurso e a prática, entre a ecologia proclamada e a ecologia vivida.

1. A Criação é Jardim, não mercadoria

O livro do Gênesis nos recorda que o Criador plantou um jardim e confiou ao ser humano a missão de cultivá-lo e guardá-lo (Gn 2,15). Não fomos feitos senhores absolutos da terra, mas jardineiros do dom.

Quando o homem se esquece disso, o jardim vira campo de exploração, e a terra geme sob o peso da ganância.

Hoje, precisamos confessar nossas omissões e idolatrias. A lógica do lucro, do descarte e da indiferença feriu o rosto do Criador estampado na criação.

A Amazônia sangra sob o corte da motosserra, o avanço do garimpo e a contaminação das águas. E muitos de nós, cristãos, permanecemos alheios, como se cuidar da Casa Comum fosse uma opção, e não uma exigência do Evangelho.

2. A fé que se cala diante da destruição não é fé cristã

A espiritualidade cristã é essencialmente encarnada. Não existe amor a Deus sem amor à sua criação. Não existe fé que destrói, não existe espiritualidade que polui, não existe cristianismo que se acomoda diante da injustiça ambiental.

O Papa Francisco insistia: “Tudo está interligado” (Laudato Si’, 91). Cuidar da floresta é cuidar das pessoas. Proteger o rio é proteger o pão. Defender a vida dos povos indígenas é defender o Evangelho, pois neles se manifesta a harmonia entre o humano, o divino e o natural.

Quando um povo é expulso de sua terra, quando um rio morre, quando uma árvore secular é derrubada, Cristo continua sendo crucificado. E cada cristão precisa reconhecer onde, com seu modo de vida, tem contribuído para essa crucifixão cotidiana.

3. Caminhos de conversão e esperança

A COP 30 nos interpela como discípulos missionários a uma verdadeira conversão ecológica. Não apenas nas palavras, mas nos gestos, nos consumos, nos relacionamentos.

Cuidar da criação é cuidar da alma. A ecologia integral é espiritualidade, é ética, é política e é mística. O Espírito Santo continua soprando novos ventos sobre a Amazônia. Sopra nas comunidades que resistem, nas mulheres que cuidam das águas, nos jovens que sonham outro futuro, nos povos que insistem em viver em paz com a floresta.

É esse Espírito que precisamos escutar. Não o espírito do mercado, mas o Espírito de Deus, que gera vida e comunhão. Por isso, mais do que esperar acordos internacionais, precisamos mudar o coração.

A COP 30 será verdadeira se nos convertermos. Será fecunda se o cuidado da Casa Comum sair dos discursos e entrar nas casas, nas paróquias, nas escolas, nas escolhas de cada dia.

4. Conclusão: O Jardim é de Deus

O mundo não nos pertence — é dom de Deus. Somos hóspedes e servidores do jardim que Ele plantou. Que a COP 30 nos encontre com o coração desarmado e os pés firmes na terra. Que sejamos uma Igreja capaz de cuidar e denunciar, de resistir e de esperar. E que o Senhor da Vida nos ensine a viver como semeadores de esperança, acolhendo o clamor da Terra e dos pobres com fé, ternura e coragem profética. Porque, afinal, “a esperança é mais forte que o desmatamento, e a graça é mais teimosa que a destruição.”

Amém.

Dom Roque PaloschiArcebispo de Porto Velho

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